domingo, 30 de setembro de 2018

Ideologia, Reflexividade, Sistema


Um dos principais efeitos, que é também um dos principais modos de acção, da ideologia é a destruição de duas faculdades essenciais ao pensamento crítico: a reflexividade e a visão de sistema. 

Estas faculdades estão intimamente associadas. A reflexividade é capacidade de se ver a si mesmo e de ter em conta o efeito das ações próprias no contexto. A visão de sistema é a capacidade prática de compreender que, num dado contexto, uma causa não ocasiona apenas os seus efeitos imediatos, mas que estes efeitos se tornam, por sua vez, em novas causas que produzem novos efeitos e assim sucessivamente, até que, potencialmente, a instância causal originária pode ser por sua vez afetada.

Dada a mutilação destas duas faculdades, o pensamento ideologicamente possuído julga as ações em termos das intenções explícitas ou superficiais que as animam. Escamoteia assim o complexo de motivações subjacentes às acções e, o que é pior, ignora os seus efeitos totais no mundo.

Deste modo, o pensamento possuído pela ideologia confronta-se com um déficit interpretativo quando confrontado com a progenitura das suas acções (ex. mortes de migrantes no mediterrâneo, fome e ruína económica na Venezuela) que não reconhece como sua. Um recurso habitual são os (percebidos como) inimigos da ideologia, a cujas acções ou manigâncias são atribuídas as consequências indesejáveis das acções dos ideólogos.