segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Eis como se fabrica uma Fake News



Washinton DC, 18 de Janeiro de 2019, desenrola-se uma marcha "pela vida" e uma outra pelos "povos indígenas." 

Um índio americano veio ao encontro de um bando ruidoso de miúdos de uma escola católica que tinham bonés e t-shirts MAGA (pró-Trump) e que se preparavam para regressar a casa depois de participarem na "marcha pela vida." O índio, percutindo o seu tambor e cantando, colocou-se a poucos centímetros da cara de um dos rapazes e aí permaneceu, batendo o tambor e cantando em cima do rapaz. Este acabou por decidir esboçar um sorriso que, como ele próprio afirmou, foi uma tentativa de assinalar as suas intenções pacíficas. Entretanto, na confusão geral, os rapazes continuavam aos saltos e a cantar — como já estavam a fazer ANTES de o índio se aproximar, — no meio, aliás de outros grupos que se manifestavam nas proximidades.

Antes desta cena, os rapazes já teriam sido abordados por membros de uma seita religiosa negra que lhes lançaram alguns impropérios e que, posteriormente, voltariam a manifestar-se. 

Fake News: com um vídeo bastante curto e uma fotografia onde apenas figura o rapaz a sorrir, explica-se que foram os rapazes a rodear o índio e que estão a troçar do homem. 

Ironicamente, uma das janelas sobre o evento que desmascara esta Fake News (de que aqui se dá a fonte original mas que depois foi reproduzido dentro e fora dos EUA —ex.: CNN) foi um vídeo feito pelos membros da referida seita negra onde se vê o cavalheiro índio aproximar-se e penetrar, a cantar e a tocar, no grupo de adolescentes:


Dupla ironia, num segundo vídeo, que também reproduzo, vê-se os membros da referida seita lançar aos rapazes, e aos "brancos" em geral, insultos homofóbicos.

Pode observar-se nos referidos vídeos muitas outras pérolas do comportamento dos radicais da política identitária de esquerda americana.


O principal grupo étnico e/ou religioso que foi alvo de impropérios e provocações nestas filmagens foram os adolescentes católicos brancos, um fenómeno hoje em dia corrente nos Estados Unidos onde a ideologia identitária neomarxista considera não ser racista criticar ou desfavorecer alguém por causa da cor da sua pele desde que esta seja branca.

Encontro nesta situação o eco de outros relatos semelhantes. O principal estímulo ao qual reagiram o activista índio e os demais "activistas" cujo desempenho está patentes nestes vídeos foi provavelmente a combinação dos símbolos Trumpianos com a extroversão ruidosa dos rapazes.

Embora um dos rapazes tenha perdido as estribeiras e respondido aos comentários xenófobos que um índio lhe estava a gritar ao ouvido com outros comentários no mesmo registo, a generalidade dos rapazes comportou-se com bastante contenção e equilíbrio, muito particularmente o rapaz que permaneceu estoicamente imperturbável, e depois, sorridente, face ao índio a cantar e a bater o tambor a centímetros da sua cara.

Quando a vitimização se sobrepõe a toda e qualquer outra ideia, e a pertença a uma minoria étnica sacralizada no seu estatuto de vítima permite aos seus membros faltarem ao respeito e serem agressivos para com as outras pessoas sem serem sujeitos às consequências dos seus comportamentos, é razoável estimar que, mais tarde ou mais cedo, a maré vai mudar e o feitiço vai voltar-se contra o feiticeiro. 

A linguagem que está a ser usada pela esquerda radical identitária é uma linguagem racista e xenófoba cultivada agora no quadro da inversão da relação maioria/minorias, uma relação de onde, aliás, essa linguagem estava a desaparecer a ritmo acelerado. A sua recuperação pela inversão dos termos é um fenómeno totalitário clássico estudado e documentado pelo etnólogo Robert Jaulin na sua obra L'Univers des Totalitarismes.

Aquilo que se apresenta como uma denúncia de supostos preconceitos e discriminações "sistémicos" não passa dos mesmos velhos instrumentos ideológicos de assalto ao poder. As mulheres, os gays, os negros, os índios, os transsexuais ocupam hoje o mesmo lugar que os proletários ocupavam nos anos 30, 40, 50 e 60: um argumento ideológico, uma fonte doutrinária de culpabilização daqueles que se pretende neutralizar atribuindo-lhes a posição do "opressor."

Encontra-se uma ilustração romanesca desta mentalidade nos anos trinta num romance de Georges Bataille, Le Bleu du Ciel, onde o protagonista, um francês, trata como trastes as suas sucessivas companheiras femininas enquanto dilui a sua culpabilidade e "privilégio" no álcool, no sado-masoquismo e orbitando de forma diletante outros militantes, menos diletantes, mais ou menos envolvidos na Guerra Civil espanhola. 

O contraste entre, por um lado, a displicência e inconsciência com que o protagonista trata as outras pessoas e, por outro lado, os seus escrúpulos morais, narcísicos e delirantes, concentrados nos "proletários" e no que os seus amigos militantes podem pensar de si, deplorável membro da classe dominante, parece bizarro e deslocado a um olhar contemporâneo, mas encontramos o seu decalque perfeito na hipocrisia dos que hoje se penalizam publicamente pelo seu "privilégio" e policiam e denunciam o comportamento e palavras dos outros, ao mesmo tempo  que conservam ciosamente os seus privilégios reais.

Apesar da sua juventude, o rapaz que o activista índio resolveu provocar batendo o seu tambor a escassos centímetros da cara dele, resistiu admiravelmente às duas tentações que funcionam como uma tenaz totalitária:

1) Incarnar o papel do opressor que lhe é atribuído, para o que teria bastado o mais pequeno gesto de exasperação;

2) Sucumbir à intimação de culpabilidade que lhe é dirigida pela linguagem vitimária e embaraçar-se com o seu "privilégio" diante da figura sacralizada do índio americano.

Apesar da sua decência, o sorriso com que tentou desarmadilhar a situação foi o pretexto suficiente para que a Associated Press tecesse a sua mentira e uma miríade de outros media fizessem eco da Fake News. Não fossem a ubiquidade dos telemóveis com câmara e as redes sociais, a mentira teria sido mais difícil de desfazer.

Não é decerto por acaso que os bem pensantes nos previnem contra a desinformação que prolifera nas redes sociais. Afinal, estas dificultam-lhes imenso a vida.