quarta-feira, 8 de julho de 2020

CHEGA DE CHEGA


Ex.mo Sr. Dr. André Ventura,
Presidente do Chega

Assunto: Comunicação de desfiliação. Carta aberta.

Em Janeiro de 2020 tornei-me militante do Chega.

Nem sempre concordei com a visão táctica e estratégica da direcção do Chega, mas sei que, em política, o alinhamento completo não é uma possibilidade. 

Para mim, o essencial era apoiar um partido e uma liderança capazes, no futuro, de afrontar os graves problemas que, tendo sido mantidos deliberadamente fora do radar da comunicação social, constituem, na maior parte dos países da Europa Ocidental, processos endémicos e potencialmente ruinosos, tanto do ponto de vista nacional quanto civilizacional, e que começam a manifestar-se em força no nosso país: 
  • a migração de massas, 
  • a constituição de sociedades paralelas e hostis à comunidade nacional, 
  • a islamização galopante, 
  • e, enquadrando estes processos históricos, a convergência insidiosa:
  • de interesses económicos transnacionais, 
  • de uma ideologia falsamente liberal da “sociedade aberta,” cujo móbil é a destruição de identidades, de territorialidades e de tradições,
  • e da reconfiguração pós-moderna do marxismo que, na realidade, se limita a substituir, na sua velha máquina totalitária, o par capital-proletariado por outros pares estrategicamente mais eficazes nos contextos económico e cultural contemporâneos.

Naturalmente, cumprindo o que considerei serem as minhas obrigações como militante, segui e tomei parte na vida interna do partido, e nomeadamente na distrital do Porto, à qual estou territorialmente adstrito.

Foi com consternação que assisti à rápida sucessão de eventos que, escassos dois meses após a eleição da comissão política distrital, levaram à demissão do presidente desta, Jorge Pires, sucessão essa que pode ser descrita como um autêntico golpe palaciano protagonizado, segundo diferentes testemunhas directas, por um dos membros da referida comissão, José Lourenço, o qual, poucas semanas depois se declarava candidato à presidência desse órgão, não sem antes ter comentado a vida interna da comissão e insultado o seu ainda presidente nas páginas do Expresso (notícia de 01/04/2020, “Chega. Líder do Porto demite-se por retirada de confiança política”) perante a inexplicável passividade da direcção do partido e a aparente abdicação do conselho de jurisdição nacional.

Não obstante a violência da abordagem e a cumplicidade tácita das estruturas nacionais com o comportamento de José Lourenço, o Dr. Rui Rocha, juntamente com um conjunto de militantes, decidiu formar uma lista alternativa para disputar as eleições que entretanto foram marcadas para o dia 4 de Julho.

Não pretendo alongar-me, nem sobre a forma, nem sobre o conteúdo (neste ponto, mesmo que quisesse, não teria matéria) da campanha de José Lourenço, mas julgo importante registar que esta chegou a incluir, entre outras coisas, ameaças à integridade física de um membro da lista do Dr. Rui Rocha, ameaças essas suficientemente graves para justificar a deposição de uma queixa crime contra o seu alegado autor (um apoiante e membro da lista de José Lourenço), a qual segue presentemente os trâmites legais.

Não é despiciendo observar, particularmente à luz dos desenvolvimentos finais da campanha, que, não obstante a direcção nacional do Chega e o seu presidente terem anunciado a sua neutralidade perante as eleições distritais do Porto, a lista de José Lourenço repetiu até à exaustão, por todos os meios, que V.ª Ex.ª, André Ventura, apoiava a sua lista. Daí decorre que uma das partes estava necessariamente a mentir, e devo observar que em nenhum momento ouvi ou li, da parte de V.ª Ex.ª, um desmentido específico da alegação de José Lourenço e dos membros da sua lista.

Assinalo também que, durante a sua campanha, José Lourenço atacou pessoalmente três dos mais destacados militantes do distrito, todos eles personalidades de perfil público e provada capacidade de congregar pessoas no trabalho em prol dos seus concelhos, do distrito do Porto e do Chega. Falo, nomeadamente, de Jorge Pires, do Porto, de Manuel Pinho, de Paredes, e de Luísa Maria Teixeira Vaz, de Vila do Conde. Dada a propensão de José Lourenço para atacar e condicionar os militantes mais destacados do distrito, é improvável que, no termo do seu mandato, restem elementos activos capazes de congregar esforços e coordenar eficazmente equipas na distrital do Porto do Chega.

Não foi sequer nos últimos minutos da campanha mas quase duas horas depois das 12h de sexta-feira, 3 de Julho, hora à qual os dois candidatos se tinham comprometido, perante a direcção nacional, a terminar as suas campanhas, que os militantes do distrito do Porto receberam um SMS cujo remetente (“CHEGA. PT”) poderá ter induzido muitos deles a acreditar que o mesmo lhes estava a ser enviado pela direcção do partido e que, deste modo, era sancionado pelo próprio presidente do Chega.  Se o remetente não bastasse para substanciar a tese de que estamos diante de uma fraude eleitoral a céu aberto, o corpo do email não deixa dúvidas quanto ao propósito de enganar os militantes sobre um apoio inexistente à luz das declarações públicas de neutralidade da direcção nacional do Chega e do seu presidente:

“O partido CHEGA e o André Ventura contam consigo para votar em José Lourenco- [sic] Um CHEGA à Porto. Por um CHEGA moderado e equilibrado. Eleicao [sic] distrital do Porto, 4 de Julho entre as 11h e 18h no Centro Comercial Brasília no Porto.”

Fui informado, por fontes que considero fidedignas, de que, face ao envio desleal, irregular, e manifestamente fraudulento deste SMS, o Dr. Rui Rocha ponderou seriamente retirar a sua lista do acto eleitoral, mas que terá cedido às instâncias de V.ª Ex.ª para que se mantivesse na corrida.

Face à gravidade destes eventos, que inquinaram a vida da distrital do Porto e subverteram o processo democrático no seio de um partido que se apresenta como o último baluarte contra a corrupção e o compadrio endémicos na República, seria de esperar, no mínimo, a abertura de um inquérito interno para apuramento de factos e aferição de responsabilidades. Foi, por isso, com surpresa e, francamente, desgosto, que vi publicar em grupos e redes sociais afectos ao partido, na segunda-feira imediatamente após as eleições para a distrital do Porto, um vídeo no qual V.ª Ex.ª celebrou o acto eleitoral, congratulou os vencedores e apelou à unidade, sem pronunciar uma única palavra sobre as graves, grosseiras e inequívocas irregularidades que mancharam o processo eleitoral e muito particularmente aquelas que, escassos três dias atrás, lhe haviam sido claramente comunicadas por membros da lista do Dr. Rui Rocha.

Em toda a minha exposição, procurei ater-me a matérias de facto e, especificamente, a factos incontrovertíveis de natureza pública. Outras razões ponderosas assistem-me na decisão de solicitar a minha desfiliação. Não é todavia meu desejo nem dever arcar com as controvérsias que sua abordagem pública acarretaria. É a virtude do tempo fazer com que aquilo que hoje é conhecido de alguns seja amanhã conhecido de todos.

Direi apenas que, na segunda-feira, dia 7 de Julho de 2020, após assistir ao referido vídeo, perdi toda e qualquer confiança que ainda pudesse razoavelmente ter em V.ª Ex.ª e na sua direcção nacional. Não posso fazer parte nem ter o meu nome associado a um partido cuja vida interna se encontra em diametral oposição, não apenas aos meus valores, como aos valores publicamente proclamados por esse mesmo partido. Há um nome para isto, mas suspeito que V.ª Ex.ª o conhece.

Solicito assim sem mais delongas a minha desfiliação do Chega e a expurgação dos meus dados nos registos referentes aos militantes do partido.


Miguel Montenegro,

Ex-militante nº 910.

8 de Julho de 2020.